
Comprei o livro da peça do Chico Buarque e do Paulo Pontes. Era uma coisa que há muito tempo andava tentada a fazer. Agora já chegou e é só começar a ler. Algo me diz que será uma turbulenta viagem.
Aqui fica um bocado do som da interpretação de Bibi Ferreira da personagem Joana (encenação original de 1977). A gravação começa depois do inicio do texto completo e por isso deixo o texto também, que é absolutamente divinal.
«JOANA
Tudo está na natureza
encadeado e em movimento -
cuspe, veneno, tristeza,
carne, moinho, lamento,
ódio, dor, cebola e coentro,
gordura, sangue, frieza,
isso tudo está no centro
de uma mesma e estranha mesa
Misture cada elemento -
uma pitada de dor,
uma colher de fomento,
uma gota de terror
O suco dos sentimentos,
raiva, medo ou desamor,
produz novos condimentos,
lágrima, pus e suor
Mas inverta o segmento,
intensifique a mistura,
temperódio, lagrimento,
sangalho com tristezura,
carnento, venemoinho,
remexa tudo por dentro,
passe tudo no moinho,
moa a carne, sangre o coentro,
chore e envenene a gordura
Você terá um ungüento,
uma baba, grossa e escura,
essência do meu tormento
e molho de uma fritura
de paladar violento
que, engolindo, a criatura
repara o meu sofrimento
co'a morte, lenta e segura
JOANA
(Vestindo os filhos)
Eles pensam que a maré vai mas nunca volta
Até agora eles estavam comandando
o meu destino e eu fui, fui, fui, fui recuando,
recolhendo fúrias. Hoje eu sou onda solta
e tão forte quanto eles me imaginam fraca
Quando eles virem invertida a correnteza,
quero saber se eles resistem à surpresa,
quero ver como eles reagem à ressaca.
Meus filhos, vocês vão lá na solenidade,
digam à moça que a mamãe está contente
tanto assim que lhe preparou este presente
pra que ela prove como prova de amizade
Beijem seu pai, lhe desejem felicidade
co’a moça e voltem correndo, que eu e vocês
também vamos comemorar, sós, só nós três,
vamos mastigar um naco de eternidade.»